PARÂMETROS PARA QUALIDADE DO ATENDIMENTO NOS CONSELHOS TUTELARES

Conselho tutelar que protege a criança e toda família


Os conselhos tutelares guardam no nome sua essência de existir: TUTELA. Trata-se de um grupo de cinco pessoas (daí o termo conselho) com a responsabilidade de tutelar (proteger) os direitos das crianças e adolescentes (ECA, art. 131). Função de extrema importância ao futuro do país. As crianças protegidas hoje são os adultos de amanhã com suas capacidades cognitivas, motoras, sociais e éticas desenvolvidas.
Aos conselhos tutelares competem a obrigação de proteger crianças e adolescentes pela ação ou omissão da sociedade, estado, pais ou responsáveis e até mesmo da sua própria conduta quando seus direitos forem ameaçados ou violados (ECA, art. 98). Para cumprir com este dever o conselho tutelar pode APLICAR MEDIDAS, as quais só podem serem questionadas perante o judiciário.


A REDE DE ATENDIMENTO é a responsável em dar efetividade a proteção das crianças e adolescentes. É para ela que o conselho tutelar encaminham as crianças, bem como os pais e responsáveis. O conselho tutelar não executa nada, apenas realiza averiguação dos fatos quanto aos direitos ameaçados ou violados e encaminha para que a rede restabeleça este direito, ou na pior das hipóteses, faça redução de danos. Compete ao conselho tutelar, inclusive, fiscalizar esta rede de atendimento. Em resumo o conselho protege: fiscalizando, averiguando e aplicando medidas para serem executadas pela rede.

Na teoria o dever e a finalidade do conselho tutelar é proteger. Será que o conselho sempre tutela? O conselho pode desproteger? Sim pode. A resposta para a proteção está na qualidade do atendimento. Quantos crianças morrem por contrair doença em hospital, imperícia médica ou falta de remédios? Discutir qualidade de serviço público é urgente.

la calidad es la adecuacion para el uso, satisfaciendo las necesidades del cliente, resaltando que las caracteristicas del producto y servicio han de tener una cualidad comun, la de ser las que el cliente desea.” (Talavera (1999) citado por Izaguirre (2010), p. 137-138). O foco da qualidade são as crianças e adolescentes. A adequação a necessidade tem que estar presente no “uso” do serviço de proteção do conselho tutelar.

Cada criança e adolescente possuí um conjunto de necessidades únicas, mas com semelhanças que permitem a sociedade ampará-las nas leis e na ciência. Necessidades quanto ao atendimento do conselho tutelar. No ECA o artigo 100, parágrafo único, traz “princípios” que regem a aplicação de medidas: função final do conselho tutelar. Estes princípios são os ATRIBUTOS LEGAIS DE QUALIDADE do serviço de proteção de direitos através de medidas aplicadas pelo conselho tutelar. A ciência traz ATRIBUTOS GENÉRICOS DE QUALIDADE que servem para qualquer serviço: cortesia, confiabilidade, disponibilidade, resolutividade, aceitabilidade, adaptabilidade, agilidade, privacidade, conveniência do local, equidade e consistência. (TINOCO; PEREIRA; RIBEIRO, 2010, p. 5)

Atributos de qualidade presentes em diferentes fases do atendimento. Inicia-se o “uso” do serviço de proteção oferecido pelo conselho tutelar no momento que uma criança, adolescente e sua família toma ciência da existência de tal direito. Passa pelos primeiros contatos, acolhida inicial, atendimento em si e chega nos desdobramentos posteriores as medidas aplicadas (pós “venda” ou pós atendimento). A qualidade tem que estar presente em todas estas fases do “uso”, ou, em outras palavras, em todas as fases da experiência da criança e sua família com o conselho tutelar. Quisera no pós atendimento a criança e sua família saísse com a expressão da família da ilustração que estampa este artigo.

A CONFIABILIDADE e ACEITABILIDADE são dois atributos muito importante nas fases iniciais. Muitos direitos violados e ameaçados são negligenciados pela falta de confiabilidade e aceitabilidade do conselho tutelar perante seu público. “Não vai dar nada”, “Mais atrapalha do que ajuda”, “o conselho vai tirar seu filho”, “vou te levar para o conselho” (este último como ameaça de ambos os lados). Os conselheiros são os responsáveis em construir na sociedade a imagem do conselho (ver ilustrações abaixo). Imagem que passa pelos resultados alcançados, mas também pelo atendimento em si, pós atendimento, imagem dos próprios conselheiros e dos integrantes da rede que atuam para compor a proteção prioritária e integral das crianças, adolescentes e suas famílias. Imagem positiva facilita o diálogo com a rede de atendimento, bem como com as crianças, adolescentes e suas famílias. Até uma situação extremamente estressante se faz serena diante de um cenário de confiança e aceitação mútua.

Imagem negativa do conselho tutelar
Imagem extremamente positiva do conselho tutelar, atrapalha na qualidade do atendimento


Fonte: conselhotutelaremfoco.com
Nota: nenhuma dessas imagens são qualitativas. São extremos do negativo ao positivo.

DISPONIBILIDADE e CONVENIÊNCIA são atributos importantíssimos para que o atendimento aconteça. Qualidade é entregar facilidade no acesso ao serviço de proteção, seja pelo amplo horário de atendimento, inclusive em horários mais próximos do fato que gerou o direito violado ou ameaça, seja pelo local onde está a sede do conselho tutelar. O artigo 134 do ECA coloca no município a responsabilidade em legislar sobre o local, dia e horário de funcionamento do conselho tutelar. O Conselho Nacional dos Direitos de Criança e Adolescente – CONANDA recomenda que o local seja de fácil acesso (Resolução 170 de 2014, Art. 17) e que o atendimento, leia-se horário, seja ininterrupto a população (Id, Art. 19). Isto não significa dizer que os conselheiros tem que estar 24 horas por 7 dias da semana trabalhando.

Tanto a resolução do Conanda, quanto o ECA transfere ao município a competência de decidir e FISCALIZAR a jornada de trabalho dos conselheiros. Que pese as escalas de atuação dos conselheiros o atendimento tem que acontecer de segunda a segunda, 24 horas por dia. Na prática o conselho funciona de segunda a sexta em horário comercial, aos sábados, domingos e a noite de sobreaviso ou plantão, sem a presença dos cinco membros. O que não pode é fechar o conselho entre segunda e sexta, salvo exceções, como audiências que tenha a necessidade da presença de todos os conselheiros. Por fim, a legislação municipal pode exigir a presença dos cinco nos dias de semana, mais uma escala para os plantões noturnos e de finais de semana. Se assim for, ponto para a qualidade do atendimento quanto a disponibilidade e conveniência, mas cria um embaraço trabalhista com os conselheiros, principalmente se não prever o pagamento de horas extras.

PRIVACIDADE é um atributo de qualidade relacionado diretamente com a necessidade de proteção e desenvolvimento da criança e do adolescente. Atributo que sai do caráter genérico da ciência e passa a ser considerado específico pelo ECA para o atendimento do conselho tutelar (Art. 100). Tudo que uma criança menos precisa é ser revitimizada pela divulgação dos fatos de violência e violação de direito por ela sofridos. Só podem saber do fato as pessoas diretamente envolvidas: autoridades, profissionais da rede de atendimento, pais, responsáveis e as próprias crianças ou adolescente. Mais ninguém, sob pena de responsabilização. “A violação do sigilo pode, em tese, importar em infração administrativa (como na hipótese do art. 247 do ECA) e/ou gerar a obrigação de indenizar (cf. art. 5º, do ECA e arts. 186, 927 e 944, do CC)” (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 124)

Cuidados com a privacidade passam pela ÉTICA e ESTRUTURA. A resolução 170 do Conanda traz parâmetros sobre o espaço físico e instalações que afetam diretamente a privacidade. O conselho deve possuir salas reservadas para atendimento dos casos, separadas da sala para recepção, administrativa e para os conselheiros se reunirem. “O número de salas deverá atender a demanda, de modo a possibilitar atendimentos simultâneos, evitando prejuízos à imagem e à intimidade das crianças e adolescentes atendidos.” (Art. 17, §2º). Não menos importante são os arquivos para guarda das informações sobre os atendimentos, preferencialmente estes devem possuir chaves e estar em sala que circule apenas os conselheiros. Quanto a ética é uma exigência não apenas para os conselheiros, mas também das autoridades e profissionais da rede de atendimento. Cabe aos conselheiros obediência ao código de ética dos funcionários públicos municipais.

O artigo 100 do ECA traz outros atributos (princípios) de qualidade para além da privacidade. Se aplicam enquanto QUALIDADE ESPECÍFICA do atendimento do conselho tutelar: proteção integral e prioritária, interesse superior da criança e do adolescente, privacidade, intervenção precoce, intervenção mínima, proporcionalidade e atualidade, responsabilidade parental, prevalência da família, obrigatoriedade da informação. São parâmetros legais e qualitativos para atuação do conselho tutelar, na interface direta com seus usuários. É a observância a estes parâmetros no momento do atendimento que vai garantir a necessidade prioritária e integral de proteção à criança e ao adolescente, posto aqui como fim e meio, se o leitor bem observou.

Conselho tutelar é para proteger crianças e adolescentes. Primeiro a PROTEÇÃO, depois qualquer outro procedimento. Proteção significa em casos de violência colocar a criança fora do perigo de imediato, aqui entra outro atributo: intervenção precoce. Não interessa em eminente perigo ficar discutindo o caso, quem é culpado, qual medida aplicar. Conselho tutelar não é órgão jurisdicional que pune, nem policial que investiga. O foco do conselho não é o agressor ou violador, estes devem ficar sob a responsabilidade de quem tem competência para tal. Proteger significa inclusive retirá-la da presença de discussões calorosas quando do atendimento, muito comum quando a família é a violadora, principalmente violação familiar unilateral provocada por um dos seus membros. Significa, pasmão e aqui o leitor dá um suspiro, não utilizar a criança e o adolescente como “cobaia” para culpabilizar o agressor em fragrante delito. O conceito de proteção precisa ser ressignificado através de práticas protetoras e não mero discurso incoerente.

A criança e o adolescente enquanto sujeitos em desenvolvimento necessitam que seus direitos violados ou ameaçados sejam restabelecidos o mais rápido possível. A INTERVENÇÃO PRECOCE garante sintonia com a vivência temporal diferenciada das crianças. Aproximadamente, 1 dia para um bebê é 1 ano para um idoso. “A demora no atendimento, por si só, já importa em violação dos direitos infanto-juvenis, sendo passível de enquadramento nas disposições do art. 208 e 216, do ECA.” (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 124). A demora no atendimento a qual o Dr. Murilo se refere é a da rede de atendimento após aplicação de medida pelo conselho tutelar, mas também serve para o próprio conselho tutelar.

A INTERVENÇÃO MÍNIMA visa diminuir o risco da criança ou adolescente sofrer novamente a violência sofrida. O funcionamento diferenciado da memória da criança faz com que ela esqueça ou dê outro significado para experiências que causam sofrimento. Ela deve ser ouvida o mínimo do possível e por profissionais qualificados a escutá-la, preferencialmente psicólogos da vara da infância ou da rede de atendimento. O projeto Depoimento sem Dano da magistratura gaúcha existe desde 2003. No Paraná está em vigência um acordo para o Depoimento Especial (ver link no final). “Um exemplo clássico diz respeito ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que devem ser ouvidos, preferencialmente, uma única vez, se possível por intermédio de equipe interprofissional habilitada, nos moldes facultado pelo art. 156, inciso I, do CPP (produção antecipada de provas) ...” (ibid). A criança ao ser ouvida inúmeras vezes pode entrar em contradição, natural da sua condição de criança. Esta contradição é utilizada pelos advogados dos agressores para transferir a criança a culpa do fato: torna-se no mínimo mentirosa. Como consequência o trabalho em rede é essencial para que a intervenção mínima, uma das qualidades do atendimento, seja alcançada.

Proteger criança e adolescente é proteger sua família. “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” (ECA, Art. 19). Ao aplicar medidas os conselhos tutelares deve ter como princípio RESPONSABILIDADE PARENTAL E PREVALÊNCIA DA FAMÍLIA (ECA, Art. 100). O conselho não pode reforçar a imagem que ao defender os direitos de crianças e adolescentes penaliza os pais. O direito das crianças é ter sua família fortalecida, que pese suas especificidades na maneira de proteger ou educar seus filhos. As medidas aplicadas aos pais e responsáveis são protetivas e não punitivas. Esta abordagem didática tem que ser evidente na relação conselho tutelar, pais, crianças e adolescentes. As crianças precisam saber, respeitado o seu estágio de desenvolvimento, que elas só serão “fortes” com os seus pais fortalecidos. A foto que estampa este artigo tem que ser recorrente após os atendimento dos conselhos tutelares: o conselho tutelar é um órgão que protege as crianças e adolescentes, mais como consequência protege toda a família.

Por fim, não menos importante, a qualidade do atendimento tem que se fazer presente no pós atendimento. Não se trata de aplicar medidas e lavar as mãos, como se o atendimento acabasse aí. O conselho tutelar deve acompanhar a execução das medidas aplicadas, a necessidade de aplicação de outras medidas em decorrência do sucesso ou fracasso das anteriores, bem como se apropriar das aprendizagens em conjunto com a família e a rede de atendimento. A proteção é algo que se aprende e se aperfeiçoa com a prática.

Link para o Projeto Depoimento Especial em vigência no Paraná:

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, CASA CIVIL. Lei 8069 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e Adolescente. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acessado em: 27/11/2016.

DIGIÁCOMO, MURILLO JOSÉ; DIGIÁCOMO, ILDEARA DE AMORIM. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Curitiba: SEDS, 2013.

TALAVERA, CLEMENTE PLEGUEZUELOS. Calidad Total en la Administración Pública. 1a edicion. Granada: CEMCI publicaciones, 1999. Citado por: IZAGUIRRE, GUSTAVO AGUILERA. Modelos de Evaluación de la Calidad de las Organizaciones Dependientes de la Administración Pública en Mexico y en España. Tesis Doctoral. Universidad de Salamanca. Salamanca, 2010.

TINOCO, MARIA AUXILIADORA CANNAROZZO; PEREIRA, SAMUEL CALVANO; RIBEIRO, JOSÉ LUIZ DUARTE. Modelo de Satisfação e Atributos da Qualidade para Serviços de Farmácia de Manipulação. IV Encontro de Marketing da ANPAD. Florianópolis, 23 a 25 de maio de 2010. Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EMA/ema_2010/2010_EMA298.pdf. Acessado em: 03/02/2016.


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