DESAFIOS DA GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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Hospital público sem papel




Com o advento da automatização e das tecnologias da informação parecia que a necessidade de ter ser humano para o trabalho chegaria ao fim. Veio a customização e o avanço do setor de serviços exigentes em personificação. O trabalhador ganha o mais elevado status de relevância estratégia para as organizações e o mundo do trabalho. Exponencia a produção de conhecimento relacionado a gestão de pessoas. As empresas travam competição para ser o melhor lugar para se trabalhar, oferecem altos salários, remuneração variável, oportunidades para auto-realização, desenvolvimento profissional e pessoal, rede social, benefícios estendido a família, enfim qualidade de vida no trabalho. Em outra realidade os departamentos, ou grupos como são conhecidos, de recursos humanos da maioria das instituições públicas restringem suas atividades a folha de pagamento, aposentadoria, licenças e concursos.

Os servidores para as instituições públicas não tem relevância estratégia. Existe negligência na gestão dos servidores; o resultado é baixa qualidade de vida no trabalho e principalmente DESPERDÍCIO DE RECURSOS HUMANOS. Desperdício que deveria gerar reação na sociedade, mas infelizmente nossa cultura está longe de condenar a corrupção, a baixa qualidade dos serviços prestados pelas instituições públicas, o desperdício de recursos materiais quanto mais condenar e entender que o desperdício de recursos humanos é desperdício de dinheiro nosso e também uma das causas da baixa qualidade dos serviços de saúde, educação e outros tipos de serviço público.

Fazendo justiça, o desafio da gestão de pessoas não é igual para todas as instituições públicas. As empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias, fundações e algumas secretarias ou ministérios estão tão avançados quanto na iniciativa privada. O Governo Federal vem criando aparato legal e demonstrando interesse em profissionalizar a gestão de pessoas, no entanto os resultados ainda são incipientes, principalmente nas esferas estaduais e municipais.

Quem já não se dirigiu até o atendimento de uma instituição pública e ficou horas na fila para ser atendido. Após reclamação a máxima de sempre: “FALTA FUNCIONÁRIO”. Será que falta funcionário? Será que é apenas essa a causa da baixa qualidade no atendimento? Na maioria das vezes é a resposta mais fácil, colocar a culpa na estrutura que não pode se defender. Poderíamos colocar a culpa na política de aplicação de funcionários da instituição? Nem ouse, politicamente não é uma boa idéia, isso revela fragilidades e produz desconfortos, é deselegante e anti-diplomático. Alguém já ousou entrar nos setores ditos burocráticos das instituições que tem problema no atendimento ao público para uma simples visitinha diplomática? Na maioria das vezes estes setores carregam consigo grande dispêndio de recursos humanos. São pessoas envolvidas em processos de trabalho que não agregam valor para a sociedade, muitas vezes realizando tarefas completamente desnecessárias, por culpa de uma legislação excessiva, processos de trabalho mal elaborados e até mal resolvidos, ausência de tecnologia da informação, e em alguns casos, infelizmente, incompetência gerencial. Portanto seria falta de funcionário ou falha na aplicação?

Falha no processo de aplicação de pessoal é maior quando saímos da dimensão de uma instituição, tipo secretaria de saúde, e passamos analisar a nível de um governo de estado, por exemplo. Porém nesta dimensão a legislação engessa a autonomia que os gestores tem para remover funcionários de uma secretaria para outra. Que pese a legislação e a dinâmica de mudança na carga de trabalho provocadas por novas e talvez imprevisíveis demandas, ainda assim a falha na aplicação pode ser de responsabilidade dos gestores das instituições públicas, neste exemplo a secretaria responsável pela centralidade da gestão de recursos humanos num determinado governo de estado.

A falha na aplicação pode ser subsequente a uma falha no processo de provisão de pessoal, ou seja, erraram em estimar a quantidade, tipo de profissional e onde ele seria alocado nos EDITAIS DE CONCURSO PÚBLICO ou teste seletivo. Aí é aquela velha: “se você errou o prédio, tanto faz o andar para onde você vai”. Voltaremos a discutir sobre o desafio de melhorar o processo de provisão de pessoal mais adiante.

Voltando a fila.... Que agora enche a paciência do leitor até neste artigo sobre gestão de pessoas. Mas são poucos que diante de uma fila não libera sua indignação e atira tudo contra todos, ou melhor, contra o infeliz e alguns casos merecido servidor público que está prestes a lhe prestar um serviço. Merecido porque existe sim, e não são poucos, servidores desmotivados sem causa ou incompetentes. Existe também os DESMOTIVADOS COM CAUSA E FRACOS DE DESEMPENHO POR CULPA DAS POLÍTICAS DE RECOMPENSA E DESENVOLVIMENTO DE PESSOAL, além dos precários meios para se realizar o trabalho que as instituições públicas oferecem.

Os principais cargos de liderança e assessoria técnica de 1°, 2°, 3° e até, pasmén, 4° nível da estrutura organizacional de muitas instituições públicas são ocupados por cargo em comissão ou de “confiança”. Foram criados para dar governabilidade e flexibilidade para administração pública. Dispensa concurso público e dá facilidades para demissão. Sabemos que um dos fatores motivacionais mais forte para um trabalhador é a promoção na carreira. O excesso de cargos em comissão e sua mal aplicação, o que é quase uma regra em algumas instituições, é um grande obstáculo a motivação e promoção de carreira do servidor público efetivo. Para começar o termo cargo de “confiança” e seu objetivo de dar governabilidade é uma ofensa ao servidor público que ingressou por mérito e justiça para trabalhar pelo povo que aquela instituição deve atender. Por que “confiança”? Os demais não são dignos de confiança? Como fica o emocional de uma pessoa que é caracterizada como de não confiança? Será que o servidor público impede a boa governabilidade de um governante ou gestor? Acredito que na maioria das vezes o servidor que não tem “dívida” com o gestor atrapalha sim: a má gestão, a corrupção e não a governabilidade para o povo, para interesses coletivos. Lembrando, excesso de cargos em comissão e sua mal aplicação. Quando bem aplicado é uma poderosa ferramente de contribuição para renovação do capital intelectual das instituições públicas, bem como de flexibilidade para tão engessada administração pública. Também devemos separar o joio do trigo; erro de gestão do servidor de cargo em comissão que não tem culpa.

Desmotivação de servidor público e seus motivos é assunto para livro, teríamos que tocar em questões complexas. Temos que reconhecer os motivos generalizados e com grande poder desmotivacional. Motivos generalizados são mais fáceis de intervenção, portanto mais práticos. Quase sempre o responsável pela existência deles são os líderes e a própria instituição. A cultura organizacional é um deles. Diga-se de passagem muito pouco explorada para este tema. Como exigir de um servidor motivação em atender o cidadão se a cultura de sua instituição não contempla o foco no cidadão-usuário? Em outras palavras os principais líderes da instituição passam a mensagem, ou deixam escapar, para seus liderados que o cidadão-usuário não é a principal importância. É óbvio que esta mensagem não chega até a sociedade. Mas o funcionário público que está ali no dia-a-dia consegue perceber isto, que pese erros de percepção, uma vez se fosse erro de apenas um funcionário não se tornaria cultura. Por trás de toda essa irrelevância do cidadão está a velha cultura da imagem, da burocracia (foco nos meios em detrimento dos fins). E daí a também velha motivação do funcionário público em estar trabalhando pelo coletivo vai a deriva.

RECOMPENSA não é só dinheiro, é reconhecimento, oportunidade de desenvolvimento profissional, pessoal e social, felicidade por estar trabalhando com o que e com quem gosta. Mais importante que ter uma política de recompensas são os critérios que definirão quem será recompensado e como. A recompensa é um importante instrumento psicológico que influencia o comportamento e a cultura organizacional. “Cada organização tem um conjunto diferente de recompensas a oferecer aos que contribuem para seu sucesso, e essa ajuda determina que tipos de indivíduos desenvolvem sua cultura.” (GALLAGHER, p. 171). A recompensa quando mal utilizada irá produzir insatisfação, desmotivação, sentimento de desrespeito e injustiça. A política de recompensa da administração pública direta é pautada em critérios que promovem o servidor a níveis mais elevados quanto a remuneração, são critérios por tempo de serviço. Está acontecendo um movimento para adotar a remuneração variável no meio público. O desafio é evitar que este modelo a ser precursor de um avanço gerencial se torne um instrumento de clientelismo e pessoalidade no que tem que ser por determinação da Constituição Federal de natureza impessoal. Outra forma de recompensa é a oportunidade de desenvolvimento profissional que em alguns casos os cargos em comissão e as gratificações oferecem, no entanto conforme já colocado os servidores efetivos muito dificilmente ocupam estes cargos, e se ocupar será a revelia de critérios públicos e justos na maioria das vezes. Necessitamos melhorar a política de recompensas das instituições públicas e alinhá-la a serviços de qualidade a sociedade.

A negligência na gestão de pessoas atravessa todas as dimensões: provisão, aplicação, manutenção, desenvolvimento e monitoração de pessoal. O resultado é desperdício de recursos humanos. O desafio é enorme e relevante para a sociedade, uma vez que os servidores públicos são o bem mais precioso na relação entre instituições públicas da administração direta e a sociedade brasileira. São o principal meio de produção de serviços e da satisfação do cidadão-usuário, em contrapartida o principal custo para o estado. 54,47% das despesas empenhadas da administração direta do governo do Paraná em 2007 foi com pessoal e encargos sociais. No governo federal esse percentual será de 42,98% para 2009. São 538.797 servidores públicos em atividade só no governo federal.

Tempos atrás a imprensa paranaense noticiou sobre a escola feita no meio do nada nas proximidades da área urbana de Jandaia do Sul, tratava-se de um recurso federal colocado a disposição da prefeitura para aquela finalidade e que retornaria aos cofres federais até o final do ano se não fosse usado. É com essa irresponsabilidade e deboche que alguns gestores efetuam o provimento de servidores em suas instituições, ou seja, vamos aproveitar que o governador, presidente ou prefeito autorizou e vamos contratar tantos psicólogos, administradores, assistentes sociais, professores e outros tantos. Não existe avaliação profissional da necessidade de pessoal. “O PLANEJAMENTO DE PESSOAL é o processo de decisão a respeito dos recursos humanos necessários para atingir os objetivos organizacionais, em determinado período de tempo. Trata-se de antecipar qual a força de trabalho e os talentos humanos necessários para a realização da ação organizacional futura.” (CHIAVENATO, p. 199). Se perguntar não ofende vai um desafio aos leitores: Alguém conhece instituição pública da administração direta que possuí um planejamento de pessoal? Se alguém souber me mande um e-mail. Se existir vai outro desafio: este planejamento tem qualidade?

Um dos fatores fundamentais no planejamento de pessoal é o alinhamento deste com a descrição e análise de cargos. O ponto de partida para não existir desperdício de recursos humanos no futuro é compreender a natureza do trabalho de cada instituição, organizando a demanda de trabalho em cargos e avaliando os requisitos exigidos de seus futuros ocupantes. É um desafio complexo que não foi se quer iniciado em algumas instituições públicas. Outro desafio é conseguir qualidade e excelência nestes instrumentos de gestão de pessoas e fazer com que eles sejam alinhados e integrados, fato difícil na administração pública que insiste em dar a eles caráter isolado e pontual, quando existem!

O DESVIO DE FUNÇÃO é real no meio público e preocupante em algumas instituições. Preocupante em duas dimensões: financeira e na qualidade dos serviços prestados a sociedade. Imaginem um administrador trabalhando de office boy de luxo. A sociedade paga para ele um salário alto, enquanto a função de office boy poderia ser ocupada por um estagiário ou por um profissional que ganhasse bem menos. Se fosse um caso isolado não teríamos um problema social, mas não é. O dinheiro do povo está sendo jogado fora nos desvios de função, provocados principalmente por falha gerencial nos processos de provisão e aplicação de pessoal. Será que as instituições públicas brasileiras estão no nível máximo em excelência de gestão para não precisarem de administradores? O profissional administrador é apenas um dos tantos que estão sendo mal aproveitados pela fraca gestão de pessoas da administração pública. Imaginem uma pessoa que trabalha no atendimento ao cidadão e não gosta, e outra que trabalha num setor burocrático e na verdade gostaria de estar no atendimento. Além das pessoas envolvidas a sociedade também é prejudicada. Quantas pessoas do Grupo de Recursos Humanos das instituições públicas trabalham com o processo de aplicação de pessoal? Quantos instrumentos existem para esta finalidade? Qual a importância que os gestores de alta escalão dão para o tema? Existe negligência com certeza.

A moda do momento na gestão de pessoas na administração pública é a AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO. Esperamos que este instrumento seja implantado com sucesso e que todos: sociedade, governo e servidores possam ganhar com ele. No entanto como todo instrumento gerencial se mal aplicado o tira sai pela culatra. Para existir avaliação de desempenho será necessário investimento em pessoal, os quadros atuais não darão conta da nova demanda. Todo investimento tem que trazer retorno. A avaliação de desempenho tem que existir principalmente para subsidiar os processos de aplicação e desenvolvimento de pessoal, ou seja, para fazer movimentação de pessoas conforme o desempenho delas, para elaborar os planos de capacitação conforme a necessidade prática do servidor, para aproximar o líder do liderado e ajudá-lo a superar suas dificuldades. Acontece que as metodologias antigas de avaliação de desempenho acabam conquistando resultados avessos aos elencados acima. E são estas metodologias que estão sendo usadas na maioria dos instrumentos de avaliação de desempenho existentes nas instituições públicas. Para melhorar as antigas metodologias foi criado a avaliação de desempenho por objetivos. Trata de uma abordagem no futuro ao invés do passado. Quem será avaliado é chamado a assumir objetivos possíveis de serem atingidos e medidos. Objetivos alinhados com os objetivos maiores da instituição e negociados, ou seja não é imposição, é um processo democrático de avaliação com foco na prática. A concepção política da avaliação de desempenho pode colocar em risco os servidores que é público, ou seja do povo, e não daquele gestor que muitas vezes está lá temporariamente representando os interesses de um político. A perseguição política sempre existiu e existirá e esse foi um dos motivos que levou a ser criado a estabilidade de emprego.

Na dimensão manutenção de pessoal temos muito a evoluir, principalmente quanto a QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO. Não existe pessoas trabalhando com este tema nos grupos de recursos humanos de nossas instituições. Na verdade não existe se quer a preocupação quanto a higiene e segurança. O servidor público se passar mal em seu trabalho morre enquanto espera a ambulância chegar. Não existem pessoas de referência para dar os primeiros socorros, para operar um extintor. A preocupação com a ergonomia passa longe. É uma negligência total na maioria das instituições. E viva ao foco em folha de pagamento, aposentadoria, licenças e concursos mal elaborados.


BIBLIOGRAFIA

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