MONITORAMENTO NA ASSISTÊNCIA SOCIAL: OBJETO E PADRÕES DE COMPARAÇÃO

Íntegra do Guia Teórico para Implementação do Processo de Monitoramento na SEDS. Para o leitor entender este capítulo é uma resposta a concepção de monitoramento como sequência de planejamento que estava posta na SEDS.


Insumos, recursos, processos, produtos, relações, fenômenos sociais, do contexto interno ou externo a SEDS, podem ser objetos de monitoramento. Tudo pode ser monitorado, desde que existam padrões de comparação. O que deve ser monitorado depende de escolhas que devem ser feitas levando em consideração a viabilidade operacional, financeira e política, fundamentação científica, bem como principalmente o resultado para a SEDS. Ambas serão discutidas neste documento.

Grupo controle como padrão de comparação



O conceito de monitoramento adotado pela SEDS deixa aberto o objeto a ser monitorado. Segundo o conceito tudo pode ser monitorado desde que existam informações sintéticas da realidade e padrões desejados para comparação. Logo, trata-se de escolhas, haja vista a existência de uma grande quantidade de informações sobre a realidade, bem como dos padrões. Este capítulo fornecerá subsídios técnicos para esta escolha.
A escolha do objeto a ser monitorado e os padrões que serão utilizados para mensurar o seu desempenho vão determinar o resultado do processo de monitoramento. Resultado que deve ser confrontado com o dinheiro gasto pelo estado para que este trabalho aconteça. Neste custo entra o número de horas trabalhadas de todos os servidores envolvidos no processo, valor de investimento e manutenção dos instrumentos utilizados, além do custo oportunidade: os mesmos recursos poderiam ser investidos numa atividade fim.
A escolha de deixar ilimitado o escopo do monitoramento contraria interpretações equivocadas de fragmentos da discussão científica e normativa. A ferramenta ciclo PDCA, a concepção totalitária de planejamento e o art. 99 da NOB SUAS 2012, levam a interpretações do monitoramento como uma sequência do planejamento. Nesta interpretação os objetos a serem monitorados estão todos nos planos, não devem existir indicadores que não sejam retirados dos objetos dos planos, não devem existir padrões de comparação que não sejam das metas dos planos.
A NOB SUAS como toda normativa deve ser interpretada na sua totalidade. Quando analisado apenas um artigo e confrontado com outros temos contradições. O art. 99 deixa claro com ponto final que o monitoramento existe para a verificação do cumprimento de objetivos e metas: “O monitoramento do SUAS constitui função inerente à gestão e ao controle social, e consiste no acompanhamento contínuo e sistemático do desenvolvimento dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais em relação ao cumprimento de seus objetivos e metas.” Os vocábulos objetivos e metas são originários do planejamento. A utilização destes vocábulos em normativas (leis, resoluções, decretos, normas...) não é comum. 
 
O artigo 99 da NOB SUAS é contrariado e/ou complementado pelos artigos 36 e 101. O artigo 36, §2º coloca o monitoramento como mais um dos meios do processo de acompanhamento: “O processo de acompanhamento de que trata o caput se dará por meio do: I - monitoramento do SUAS; II - visitas técnicas; III - análise de dados do Censo SUAS, da Rede SUAS e de outros sistemas do MDS ou dos Estados; IV - apuração de denúncias; V - fiscalizações e auditorias; VI - outros que vierem a ser instituídos.”. O monitoramento colocado dentro do acompanhamento herda deste processo maior os objetos a serem acompanhados, o caput do artigo trata em forma de objetivo os objetos a serem acompanhados, segue: “O processo de acompanhamento [...] objetiva a verificação: I – do alcance de metas [...]; II – da observância das normativas do SUAS.”. Como observado não se trata apenas de monitorar planejamento, mas também normativas e aqui os objetos a serem monitorados se multiplicam exponencialmente
 
No mais na prática do MDS os indicadores criados por eles não são originários de planos, mas sim de normativas, a exemplo: ID CRAS, ID CREAS, IGD SUAS. Os dados que compõem os referidos indicadores são extraídos principalmente dos censos SUAS, estes por sua vez tem suas questões escolhidas com base novamente nas normativas. O MDS não baliza o seu monitoramento em planos.
O artigo 101 da NOB SUAS amplia a possibilidade de objetos monitorados para além dos planos e normativas. Este artigo pauta dois padrões para comparação essenciais dentro da necessidade de monitoramento de uma organização: qualidade dos serviços e desempenho da gestão. Eis a transcrição: “O modelo de monitoramento do SUAS deve conter um conjunto mínimo de indicadores pactuados entre os gestores federal, estaduais, do DF e municipais, que permitam acompanhar: I – a qualidade e o volume de oferta dos serviços [...]; III – o desempenho da gestão ...”. O ideal é que o conceito de qualidade e desempenho de gestão dos objetos a serem monitorados estejam estabelecidos em normativas. No entanto os próprios indicadores podem conter neles a discussão destes conceitos e serem normatizados através de uma resolução, portaria ou outro instrumento normativo. Nunca é demais lembrar que a gestão pública deve ser pautada pela legalidade, inclusive o processo de monitoramento.
Outrora a discussão do parágrafo acima suscita o debate necessidade versus leis. As necessidades dos cidadãos-usuários e das organizações devem se adaptar as leis ou as leis existem para estas necessidades? As leis são elaboradas e revisadas conforme a necessidade social e organizacional. Ambas necessidades são determinadas e inerentes aos atores destes espaços e fundamentadas pela ciência. Qualidade de serviços e desempenho de gestão são conceitos amplamente e historicamente fundamentados pela ciência. Discutir qualidade de serviços e desempenho de gestão enquanto processo de monitoramento está além de buscar nas normativas os conceitos e padrões necessários. 
 
A ferramenta ciclo PDCA e a adoção de conceito totalitário do planejamento, assim como a interpretação equivocada e fragmentada da NOB SUAS (discutida acima), limita o monitoramento ao planejamento. O ciclo PDCA é uma ferramenta criada em 1930 por Walter Shewhart com a finalidade de melhorar a qualidade dos produtos na linha de produção. William Edwards Deming nos anos 50 popularizou a ferramenta ao levá-la a um Japão determinado a investir alto em qualidade. Shewhart e Deming partiram do pressuposto que para melhorar um produto este deveria ciclicamente ser refinado através de 4 etapas: planejamento (plan = P), execução (do = D), checagem (check = C) e ação corretiva (action = A). Trata-se de isolar uma etapa do processo de produção, analisá-la exaustivamente até elaborar um plano de ação para corrigir as falhas, implantar as melhorias, verificar se os padrões estabelecidos foram cumpridos e corrigir as falhas, o ciclo se repete até a linha de produção se adaptar totalmente ao novo padrão sem nenhuma falha. 
 
O ciclo PDCA foi criado para o planejamento operacional. Eram inúmeros planos de ação para cada problema encontrado em alguma etapa e/ou atividade do processo de produção. Ao longo do tempo foi utilizado também para o planejamento tático e estratégico. Esta adaptação é carregada de interpretações equivocadas sobre as diferentes dimensões do planejamento. O tempo no planejamento operacional é curto, o que permite a repetição do ciclo, no planejamento estratégico o tempo para implementação das suas proposições é longo, aumentando consideravelmente a possibilidade do ciclo ser interrompido. O escopo do planejamento operacional é menor, o que possibilita uma clara identificação de problemas a serem resolvidos através do ciclo. O planejamento estratégico aborda questões mais estruturais e complexas, se quer o objetivo do planejamento estratégico é resolver problemas em fluxos e procedimentos de trabalho. 
 
As etapas do ciclo PDCA acontecem em qualquer organização, o que se questiona é seu acontecimento cíclico, início no planejamento e, para piorar, que seja o modelo para o monitoramento estratégico, ditando os objetos a serem monitorados e os padrões de comparação. 
 
Os trabalhos executados dentro de uma organização não são todos oriundos do planejamento, muito pelo contrário, é normal observar organizações em que a maioria dos trabalhos não possuem vínculo com o planejamento. Logo a etapa execução é maior do que o planejamento e pode iniciar sem a presença de planos, nestes casos o ciclo não existe. A etapa de checagem (controle, monitoramento, acompanhamento, conforme a origem territorial e social do leitor) não depende totalmente da existência de execução para que aconteça. Se for monitoramento de processo depende da execução, não existe como monitorar como foi feito um trabalho sem a execução do mesmo. Logo o modelo feito originalmente para o planejamento operacional voltado a fluxos e procedimento é preciso ao associar a sequência destas etapas. Se for monitoramento de um fenômeno social, recurso, insumo e até mesmo produto em estoque não existe execução associada, nestes casos o monitoramento pode acontecer sem a etapa da execução. O mesmo acontece com a ação corretiva ou aprendizagem, ela pode ser decorrente direta da execução, sem passar pelo monitoramento e para complexar, de uma execução sem planejamento. Em resumo o ciclo PDCA não sintetiza e nem deve sintetizar o funcionamento dos grandes processos de trabalho de uma organização, é apenas uma ferramenta intervencionista com o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos, fluxos e procedimentos da linha de produção.
O planejamento totalitário foi deveras criticado principalmente por autores sociais. Acreditar que planejamento resume uma organização e que o sucesso desta depende da existência e qualidade dos planos é falacioso. Assim como acreditar que planejamento não dá contribuição nenhuma para o sucesso de uma organização. O que se questiona aqui é a total dependência ao planejamento, como se fosse possível prever tudo que é necessário na complexidade de insumos, recursos, processos de trabalho, produtos, relações com o usuário e com a sociedade que uma organização vai viver. Como se fosse possível ao planejar garantir que o futuro “monstruoso” não existirá. “Não se pode dizer: ‘aqui estão os nossos monstros’, sem transformá-los imediatamente em animais de estimação” (DERRIDA, 1990, p. 80) citado por CLEGG; CARTER; KOMBERGER (2004, p. 21-31). Os animais de estimação são os planos para o futuro incerto, que dão excelente contribuição para reduzir as incertezas, mas nem por isso o incerto é monstruoso e deve ser evitado, muitas vezes se sai melhor do que o planejado e estes sim se transformam num monstro (lobo criado como cachorro) a engolir os recursos da organização com suas proposições falaciosas.
Fayol o fundador da Teoria Clássica da Administração no início do século XIX conceituava planejamento a partir do vocábulo previsão como o ato de “Visualizar o futuro e traçar o programa de ação.” (CHIAVENATO, 2003, p. 81). Os conceitos de planejamento evoluíram, ou melhor, foram acrescidas informações do porque fazer, o que é objeto do planejamento (escopo), como, quando. Mas em essência planejar é organizar o futuro que necessita de intervenção a partir do presente, ressalvadas as possibilidades de erro. 
 
Futuro que necessita de intervenção, nem tudo que é de responsabilidade ou que pertence a uma organização necessita de planos para garantir o sucesso no futuro. Não faz sentido planejar processos de trabalho que estão bem definidos e/ou dando certo, basta continuar fazendo o trabalho como vinha sendo feito. Não faz sentido planejar etapas de um curso ou de um cofinanciamento se existe na organização uma normativa que regule os fluxos de produção destes dois produtos. Muitas vezes estas normativas estabelecem até os prazos, a exemplo a lei 12527 de 18 de novembro de 2011 (lei da transparência) que estipula um prazo de 20 dias para responder a um pedido de informação.
Tudo que envolve uma organização pode ser objeto de monitoramento, o que vai determinar o escopo e as prioridades do que será monitorado são as escolhas técnicas e políticas. As escolhas técnicas devem ser embasadas na viabilidade operacional, financeira, fundamentação científica e nos possíveis resultados a serem alcançados para a organização conforme o objeto a ser monitorado.

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